Augusto Ferreira e Carlos Plácido chegaram a horas para a sua consulta no Hospital de Santa Marta, em Lisboa.
Quase 500 kms para ir a uma consulta, de bicicleta…
Saíram de Santa Marta de Portuzelo (Viana do Castelo) na passada 2ª feira, e de bicicleta percorreram os quase 500 km que os separavam do Hospital.
Embora diferente, até poderia parecer normal ou não fossem estes dois atletas transplantados pulmonares.
Augusto Ferreira, 59 anos, natural de Viatodos (Barcelos) e a viver já há 56 anos em Vila do Conde, e Carlos Plácido, 50 anos, natural de Vila Fria (Viana do Castelo), receberam “pulmões novos” de dadores, fizeram a recuperação e fizeram-se agora à estrada, em bicicleta.
Foram 4 dias e 4 Etapas, a 3ª das quais entre Leiria e Torres Vedras, com paragem em Rio Maior, para almoço, no restaurante Palhinhas Gold, que se associou a esta iniciativa.
Rui Sousa, ex-ciclista profissional durante 20 temporadas, e hoje Presidente da União de Freguesias de Barroselas e Carvoeiro (Viana do Castelo), deu o seu apoio a esta dupla, desde logo, e pedalou com eles até Lisboa (Região de Rio Maior cá voltará a Rui Sousa).
Região de Rio Maior foi ao encontro destes ciclistas e da sua Equipa de apoio.
Carlos Plácido sonhou [literalmente] que ia à consulta a Lisboa de bicicleta, e resolveu tornar esse sonha em realidade. Desafiou Augusto, que nunca tinha andado de bicicleta, que refletiu sobre a aventura, e aceitou o desafio.
Afinal “não seria um desafio mais difícil do que ser transplantado pulmonar e sobreviver com esta qualidade de vida”.
“Um homem novo, sem dúvida nenhuma”
RRM: Como está a correr a prova até agora?
Carlos Plácido: Excelente. As pessoas são espetaculares, o companheirismo de todos os Colegas que nos acompanham, os estabelecimentos por onde passamos, tem-nos dado todo o apoio… excelente.
RRM: Foi duro até agora?
Carlos Plácido: Foi um bocadinho… foi duro. Não houve dificuldades em especial, houve umas subidas… mas estamos cá.
RRM: Quando vos veem passar, qual é a reação das pessoas?
Carlos Plácido: Batem palmas, dão-nos muito apoio e carinho.
Um “homem novo, sem dúvida nenhuma”, é assim que Carlos se descreve agora, e esta ideia de ir à consulta de bicicleta partiu de um sonho que teve enquanto dormia e que se materializou nestas 4 Etapas até Lisboa, no Hospital de Santa Marta.
Carlos, aconselhado pelo médico a fazer desporto e a andar de bicicleta, foi o que fez e “não vais sozinho, vamos todos juntos”, foi a resposta que ouviu de amigos, quando falou na ideia. Entre eles, José Augusto Ferreira, também ele transplantado.
“Nunca tinha andado de bicicleta…”
José Augusto na sua chegada ao Hospital de Santa Marta
RRM: Isto parou aqui, ou o que pensam fazer no futuro?
José Augusto: Isto é para continuar. Fazemos desporto todos os dias. E queremos passar o incentivo aos outros que foram agora transplantados ou estão a aguardar, para não terem medo. A vida depois continua e é normal.
RRM: Teve dificuldade em pedalar todos estes kms?
José Augusto: Nunca tinha andado de bicicleta, porque tinha este problema desde os 3 anos de idade (não podia jogar à bola, não podia brincar com os filhos…) e quando o Carlos me disse, pensei e respondi: é para ir, vamos à luta!
RRM: Que mensagem deixa aqui a todos aqueles que têm este problema de saúde?
José Augusto: O transplante custa muito, mas depois é a melhor coisa que podia ter acontecido.
Augusto, com esta intervenção conheceu um mundo novo: uma nova vida, uma nova forma de viver, andar de bicicleta… um sonho que parecia impossível.
Já aqui noticiamos que Ana Ribeiro, Assistente Social, é a Presidente da Associação de Transplantados Pulmonares de Portugal (ATPP), e acompanha este evento até ao seu fim.
Também no restaurante Palhinhas Gold, na pausa desta 3ª Etapa, o Região de Rio Maior foi ao seu encontro para umas palavras:
Alertar a sociedade civil e dar alento aos que esperam
RRM: O que espera a Associação com este evento?
Ana Ribeiro: Alertar a sociedade civil em geral. Ainda há muito desconhecimento sobre a existência do transplante pulmonar no País, onde só o Hospital de Santa Marta o faz, e para além disso sensibilizar para as mais valias no pós-transplante.
Dar alento aqueles que estão em lista de espera. Não só os doentes, mas às suas famílias também. Há esperança “no amanhã”, não apenas na vida, mas numa qualidade de vida, que é nisso que a Equipa aposta.
Por isso a Associação tem estado presente, de forma intensa. Fazer chegar a mensagem à sociedade civil. Amanhã poderá ser um dos nossos ou nós mesmos…
Esta doença pode ser de nascença, mas pode também surgir ao longo da vida.
Gerou-se aqui um espírito de camaradagem que superou as expectativas de toda a gente: “é um grupo espetacular que estão sempre de sorriso e animados”
RRM: Estão cerca de 60 doentes em lista de espera para transplante…?
Ana Ribeiro: O pulmão é o órgão mais difícil de colheita e sofre facilmente danos que o inviabilizam. Para além do processo de colheita ser mais complexo, também tem restrições de ordem física, um pulmão de uma pessoa de estatura pequena ou média, não serve para uma pessoa alta, por exemplo.
Santa Marta tem uma Equipa especializada, que é única, e são eles que se deslocam a outros hospitais para proceder á recolha.
Parte da Equipa vai proceder á recolha e outra parte fica à espera para proceder ao transplante, preparando o doente para a cirurgia.
INEM, GNR, Força Aérea, médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar… montam toda uma operação para transportar os órgãos com condições e eficácia.
RRM: A taxa de sucesso é elevada e satisfatória?
Ana Ribeiro: Tem sido, sim. O índice de sobrevivência tem aumentado e subido na duração.
A nossa mais antiga transplantada fez 20 anos de transplante este ano.
O prognóstico era o de viver dias, antes do transplante, e 5 anos após a cirurgia… vamos nos 20 anos.
Nem todos os casos correm bem e há doentes que ao fim de 1, 2 ou 4 anos acabam por “partir”. Mas conseguiram, ainda assim, garantir mais estes anos de vida.
Sem a intervenção teriam 1, 2 ou 3 meses de vida… esta taxa de sobrevida tem crescido.
Havia de haver mais colheitas e aproveitamento de órgãos
RRM: Se pudesse mudar uma coisa que melhorasse tudo isto amanhã, o que era?
Ana Ribeiro: A possibilidade de colheita dos órgãos de uma forma mais otimizada, que pudesse capacitar a dádiva de mais órgãos às pessoas que esperam.
Maior capacidade de colheita e aproveitamento do órgão.
Este serviço médico tem-se feito ao longo dos anos com uma única equipa, pequena, onde Ana Ribeiro esteve 19 anos, como Assistente Social, antes de abraçar a Associação, que preside desde março de 2021.
“Estamos a fazer um trabalho consistente e gradual”, refere.
Ao perguntar se a equipa é única devido à sua especialização e se seria justificável ter outra, o Região de Rio Maior recebe a resposta de Ana Ribeiro de que é necessário formar mais pessoas, mas sem perder o foco.
Na sua opinião, a equipa é tão específica que é importante especializar, em recursos humanos e técnicos, e quando há dispersão da especialização e tecnicidade, talvez, se possa perder qualidade, o que não pode acontecer nestes casos médicos. Mas é preciso formar mais gente, até porque os números dos doentes estão a crescer.
Concluiu que a equipa deve continuar concentrada num único local, e formar mais gente, até para haver continuidade.
Carlos Plácido, Rui Sousa e Augusto Ferreira, e a Equipa antes de partir para Torres Vedras
Ana Ribeiro, Presidente da ATPP, Augusto Ferreira e Carlos Plácido, com Filipe Nunes do restaurante Palhinhas Gold, em Rio Maior
[Região de Rio Maior agradece também a disponibilidade dos entrevistados e deseja-lhes sucessos na sua caminhada, a todos]