Dia Europeu dos Direitos dos Doentes – vacinação contra a Zona

Hoje é o Dia Europeu dos Direitos dos Doentes, e a esse propósito publicamos um artigo de Luís Mendão, Diretor Geral do GAT – Gabinete de Ativistas em Tratamentos, a propósito da vacinação contra a “Zona”.

Luís Mendão foi distinguido a 28 de julho de 2015 com a Ordem de Mérito, de reconhecimento público pelo seu trabalho em defesa dos direitos das pessoas que vivem com VIH, do acesso universal ao melhor tratamento para o VIH, hepatites virais e tuberculose a preços comportáveis.

 

[Por Luís Mendão]

O envelhecimento populacional coloca-nos perante um dilema sem precedentes. Ao mesmo tempo que celebramos a conquista de uma vida mais longa – e ainda bem que assim é -, enfrentamos o desafio de garantir que os anos de vida adicionais são vividos em pleno. Não basta viver mais, é preciso viver também melhor, paradigma que exige um equilíbrio entre a promoção do bem-estar e da qualidade de vida e a gestão do impacto financeiro que este envelhecimento traduz para os sistemas de saúde. Perante este cenário, o destaque vai para a prevenção, receita com sucesso já confirmado a todos os níveis: ao mesmo tempo que impede as consequências da doença, evita os gastos que o seu tratamento iria implicar.

O Herpes Zoster, conhecido como Zona, ilustra perfeitamente esta problemática. Esta doença, causada pelo vírus que, na infância, a muitos causou varicela, ressurge décadas depois, afetando um em cada três pessoas maiores de 50 anos e com especial impacto em pessoas de qualquer idade com doenças que afetam o sistema imunitário. E com um impacto que pode ser devastador: além da erupção cutânea que lhe é particular, pode causar dor lancinante, a complicação mais frequente, que pode persistir durante meses e até anos, ou ainda complicações na visão, eventos cardiovasculares e cerebrovasculares, bem como hospitalização.

Um rasto de inquietações que não se ficam por aqui, com impactos também a nível económico. O fardo é, como confirmam vários estudos, significativo e direto para os sistemas de saúde, que arcam com custos substanciais em tratamentos que apenas mitigam sintomas, sem atacar a causa, mas também em dias de trabalho e produtividade perdidos para o doente e para o seu cuidador, já que falamos de uma doença debilitante.

Os dados de que dispomos, referentes à realidade nacional, expõe a dimensão alarmante deste problema: entre julho de 2023 e junho de 2024 foram diagnosticados e precisaram de cuidados de saúde 62.985 adultos com Zona, doença cujo custo anual estimado chega aos 10,2 milhões de euros, o que inclui custos diretos (7,2 milhões de euros) e indiretos para a economia nacional (2,4 milhões de euros).

O mais desconcertante aqui é que existe prevenção para a Zona, conseguida através da vacinação, que está cientificamente comprovada – um estudo publicado no New England Journal of Medicine confirmou que a vacinação em adultos mais velhos é 97% eficaz na redução do risco da doença. Face a esta evidência, seria lógico assumir que esta questão é um não-problema. Mas a realidade mostra que não é esse o caso em Portugal, onde a vacina existe, mas só disponível para alguns, criando uma disparidade no acesso à prevenção que contradiz os princípios fundamentais do nosso sistema de saúde.

Isto porque, ao contrário do que se verifica já em vários países europeus que integraram esta vacina no seu programa nacional de imunização ou, em alternativa, comparticipam a sua aquisição, por cá não há nem uma ou outra medida, o que representa uma barreira para a maioria dos cidadãos. Por cá, os custos diretos elevados da vacina tornam a prevenção um privilégio acessível apenas a uma minoria economicamente favorecida.

Em nome de uma poupança de recursos para o Estado impede-se o direito à prevenção, que tem como consequência… mais custos para este mesmo Estado. Uma ironia que representa uma falha na proteção da saúde pública. Poupamos hoje para gastar exponencialmente mais amanhã, um cálculo que não resiste ao mais básico escrutínio económico ou humanitário.

 

[Referência do estudo: Lal H, Cunningham AL, Godeaux O, Chlibek R, Diez-Domingo J, Hwang SJ, et al. Efficacy of an Adjuvanted Herpes Zoster Subunit Vaccine in Older Adults. New England Journal of Medicine. 2015;372(22)]

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