Arrimal quer voltar a ser Freguesia

 

Em 2013, a reforma administrativa feita pelo Governo PSD/CDS-PP, em particular pelo ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas (daí ser conhecida pela Lei Relvas) e negociada com a troika, reduziu as freguesias de 4259 para as atuais 3092.

O ano passado, a 24 de junho, a Assembleia da República aprovou uma Lei, a nº 39/2021, que permite a separação das Uniões de Freguesias, dentro de determinados critérios, desde logo ficarem com um mínimo de 750 eleitores, exceto se fizerem parte do interior onde 250 serão suficientes.

Esta proposta terá de ser votada na Assembleia de Freguesia, alvo de Parecer da Câmara Municipal, votada na Assembleia Municipal e remetida à Assembleia da República para decisão final, e até ao fim deste ano.

No Concelho de Porto de Mós, Arrimal e Mendiga foram um dos muitos exemplos do País e da região a serem unidas e hoje Arrimal quer voltar para trás e ser de novo uma Freguesia autónoma.

Margarida Jorge (MJ), 46 anos, é professora na Escola Secundária Dr. Augusto César da Silva Ferreira, em Rio Maior, reside em Arrimal e representa um grupo de cidadãos daquele lugar que pretende despertar a consciência da população para voltarem a ser a Freguesia de Arrimal.

Região de Rio Maior (RRM) fez-lhe 10 perguntas e publicamos as suas respostas:

  1. RRM – Quem são, porque sentiram que deviam lutar por isto e desta forma, como se organizam?

MJ: Inicialmente éramos um grupo de quatro pessoas, (Margarida Jorge, Célia Amado, Lino Cordeiro e Romeu Pereira) começámos a falar na hipótese da desanexação, analisámos o interesse e a pertinência de elaborar a proposta e avançámos. Sentimos que devíamos de aferir a vontade das pessoas, por isso fomos porta-a-porta perguntar às pessoas se queriam tentar a desanexação. Não avançaríamos se o número não fosse representativo. Ao mesmo tempo que auscultamos a vontade das pessoas, recolhemos as assinaturas para podermos apresentar a proposta, pois não sabíamos se conseguiríamos apresentá-la de outra forma. A proposta poderia ser apresentada ou com um terço dos membros da Assembleia, que seriam três no nosso caso, ou 30 vezes o número de membros da Assembleia, que seriam 270, no nosso caso. Como só 2 membros da Assembleia de Freguesia faziam parte deste grupo inicial, recolhemos as assinaturas também com o propósito de serem proponentes. Quando iniciámos a recolha das assinaturas, juntaram-se a nós mais voluntários (Rui Martins, Preciosa Bento, Sónia Martins, Filipe Amado e Leonardo Sousa), foi uma luta contra o tempo, pois iniciámos o processo no final de outubro. Curiosamente, estas pessoas identificam-se com um partido político, mas não foi com essa intenção que o fizemos. É natural conversarmos sobre estas coisas com aqueles que costumamos discutir política.

  1. RRM – O que é que não está bem, porque querem separar-se de novo, afinal?

MJ: A questão não é o que não está bem, mas sim melhorar. A União aconteceu e as coisas foram pacíficas. Contudo, na altura da União, a população sente que não foi ouvida, ambas as Assembleias de Freguesia votaram contra a união e não foram ouvidas. Naturalmente, terá sido por questões políticas, mas as populações deveriam ter sido esclarecidas e respeitadas.

Queremos promover a nossa autonomia porque consideramos que no nosso caso, como somos freguesias rurais e muito extensas, com uma população envelhecida o sentido de proximidade deve ser mais real. Para além disso, sentimos que se cada uma das freguesias tiver um presidente que as defenda, é preferível a termos um que defenda as duas. Arrimal faz fronteira com vários concelhos, nomeadamente Alcobaça, Rio Maior e Santarém, sendo a freguesia mais distante da sede do Município. Se ambas as freguesias, a Freguesia de Arrimal e a Freguesia da Mendiga trabalharem autonomamente, mas unidos e com os mesmos objetivos, sentimos que teremos mais proveito do que assim. E nunca podemos deixar a história do Arrimal esquecida, no ano em que a Freguesia de Arrimal fez 312 anos, perdeu a sua autonomia. Ainda o nosso Primeiro-Ministro, António Costa, a respeito da comemoração do Dia da Restauração da Independência, 1 de dezembro, afirmou “Valorizemos a nossa história”. E é isso que queremos fazer.

  1. RRM – É mau para as populações dos 2 lugares estarem unidos?

MJ: Não é mau, mas, no nosso entender, será melhor, pelas razões expostas.

  1. O que vos prejudica mais?

MJ: Provavelmente o facto de termos só um presidente a defender a nossa freguesia, como já referi, se tivermos dois, unidos, conseguirão mais pelas nossas gentes do que só um. Não é bem uma questão de prejudicar, mas de dificuldade, quando se constituem as listas para as eleições, normalmente é escolhido um candidato por cada ex-freguesia e as listas ficam muito condicionadas por causa disso. Por exemplo, se o primeiro candidato é de Arrimal, os dois seguintes “deverão” ser da Mendiga. A título de exemplo, quando fui candidata em 2013, convidei pessoas que não conhecia, mas que me recomendaram.

  1. RRM – Houve, há, ainda assim, pontos positivos?

MJ: O aspeto positivo a nível político foi esse, conhecermos as pessoas, chegarmos mais perto delas, mas apenas quem andou envolvido nas eleições. As ligações existentes entre as freguesias mantiveram-se e algumas foram reforçadas. Os presidentes de Junta da União terão feito e farão o seu melhor, com certeza, tendo em conta aquilo que consideravam e consideram mais importante. Mas aspetos positivos, em que se possa dizer que houve uma mais-valia, não consigo identificar nenhum. Mas é a minha opinião, cada um terá a sua.

RRM – A Lei 39/2021, de 24 de junho, prevê no seu artigo 7º, nº1, alínea a, um mínimo de 750 eleitores. A população estimada de Arrimal estava nas 774 pessoas, e nem todos serão eleitores…

  1. Já fizeram estas contas? Conseguem os eleitores necessários, acham que será por um triz ou, não sendo, é portanto, inglório?

MJ: Claro que sim. Aliás, foi esse fator que nos atrasou o processo. Ao analisar a Lei verificámos que temos todos as exigências salvaguardadas, exceto a da população. Atualmente, temos 614 eleitores inscritos na mesa de voto B, que corresponde a Arrimal. Contudo, ao conhecer outras freguesias com menos eleitores, algumas com cerca de 400, decidimos avançar. Não poderíamos deixar de tentar, mesmo que chumbe em alguma das etapas do processo. Em 2013 tínhamos 774 habitantes, naturalmente o número decresceu, como na maioria das aldeias em Portugal e esse fator deveria ter sido tomado em conta. Aliás, não nos podemos esquecer que há freguesias com menos eleitores que mantiveram a sua autonomia… Tínhamos de tentar. Nem tudo pode ser política.

  1. RRM – O que alegaram mais para sustentar esta vossa pretensão?

MJ: Para além do que salientei, relembrámos que em 2013 não havia supremacia em termos de eleitores nem de território da Mendiga em relação a Arrimal e que agora também não. Para elaborar a proposta, tivemos de criar uma percentagem de ponderação, tendo em conta o número de eleitores e a área, e o resultado foi de 46,5 % para Arrimal e 53,5 % para a Mendiga. Para além disso, fundamentamos a nossa proposta com todos os itens que são exigidos na Lei.

  1. RRM – Sentem que há “contra-vapor” ou mesmo oposição clara a esta separação? A Junta, a Câmara, Associações, as pessoas…

MJ: Em algumas freguesias foi o próprio Executivo ou a Assembleia de Freguesia ou os membros da oposição que tomaram iniciativa, mas obtiveram logo o apoio da Assembleia. No nosso caso, soubemos pelos membros da Assembleia que fazem parte deste grupo de proponentes, que alguns membros da Assembleia da Freguesia da União das Freguesias de Arrimal e Mendiga não se pronunciaram e outros se opuseram. Daí, termos decidido avançar com a vontade popular. Contudo, ao longo deste processo, conseguimos mais um proponente membro da Assembleia. Mas, para além desta posição inicial, tivemos algumas opiniões de oposição partilhadas no Facebook, correspondendo a 4 a 5 pessoas. Quando andámos a recolher as assinaturas, encontrámos pessoas que afirmaram que lhes era indiferente e algumas que queriam manter. O total de assinaturas a favor foram 378, correspondendo a 61,6 % da população, que é um valor muito representativo. A União das Freguesias de Arrimal e Mendiga foi prestativa com a cedência da documentação que solicitámos, bem como a Câmara Municipal de Porto de Mós.

  1. RRM – Conseguindo o vosso intento, o que pode voltar a ser bom ou o que vai ser diferente a partir desse dia?

MJ: Esperamos que a nossa autonomia seja reforçada, que haja uma maior política de proximidade, que tenhamos um Presidente da nossa terra, que a conheça bem e que conheça bem as suas gentes e que, ambas, as freguesias se “unam” informalmente para defender os nossos interesses em comum. E que a população de ambas as freguesias continue a respeitar-se e a ser solidária, como têm sido até à data.

  1. RRM – E se não conseguirem? Poderá mudar algo?

MJ: Se não conseguirmos, esperamos que mude. Esperamos que haja alguma sensibilidade para as razões que apresentamos. Mas não será fácil. Se não conseguirmos, respeitaremos a decisão e trabalharemos em conjunto para que se consiga o melhor para União, como temos feito até à data. Volto a dizer, não poderíamos deixar de tentar, quanto mais não seja, pelo respeito da vontade do povo.

Veja Também:

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments