Já noticiamos aqui a “aventura” de Carlos e José Augusto, transplantados pulmonares, que foram de Viana do Castelo a Lisboa, ao Hospital de Santa Marta, a uma consulta. Passaram por Rio Maior, onde almoçaram.
A acompanhá-los, desde a primeira hora, veio também Rui Sousa, ex-ciclista profissional por mais de 20 anos, figura nacional do ciclismo e que apoiou este Evento da Associação de Transplantados Pulmonares de Portugal (ATPP).
O Região de Rio Maior aproveitou esta paragem em Rio Maior para ir, também, ao seu encontro e colher a sua opinião sobre a coragem, a força, o ciclismo, a política autárquica…
Rui Sousa ao centro, com Carlos Plácido (esq.) e José Augusto Ferreira (drt.)
Grande Entrevista a Rui Sousa
Ciclista, autarca e lutador…
Rui Miguel Sousa Barbosa, nasceu em Barroselas (Viana do Castelo), a 17 de julho de 1976, onde hoje é Presidente da Junta (Barroselas uniu-se a Carvoeiro na reforma de 2013, e formam uma União).
Mais conhecido por Rui Sousa, é um ex-ciclista, da Equipa Rádio Popular-Boavista, a última que representou, e comerciante de aves exóticas.
Campeão Nacional de estrada em 2010 e subindo várias vezes ao pódio na Volta a Portugal, entre 2º e 3º lugares, assinou o primeiro contrato profissional em 1998 com a equipa Troia Marisco-Porta da Ravessa, onde permaneceu até 2001.
A 12 de agosto de 2017 anunciou a sua retirada do ciclismo depois de vinte temporadas como profissional e com 41 anos de idade.
Continua ligado ao ciclismo, como consultor e comentador na Volata a Portugal e em canais televisivos que acompanham a modalidade e nas principais Provas.
“Queixamo-nos tanto disto ou daquilo”, e afinal…
MP: O Rui tem palmarés e história no ciclismo, com mais de 20 anos como profissional… antes de ser autarca, que é uma coisa engraçada.
Como é que olha para estes dois homens que receberam os pulmões de outra pessoa e se metem numa bicicleta para quase 500 quilómetros? É um feito em tanto?
RS: Naturalmente que sim. São mesmo um exemplo daquilo que é garra, dedicação e acreditar, no fundo eles acabam por ser o exemplo para tantos que como eles tiveram esta infelicidade na vida e acabam por ver neles o exemplo desta luta, e que é possível ultrapassar, naturalmente com aquilo que é força anímica e que eles acabam por transmitir a todos esses que têm esta infelicidade na vida.
MP: Isto mais do que ser uma palavra para todos aqueles que têm o problema, é uma palavra para toda a gente, porque quem faz uma coisa destas, recebe um órgão deste tipo e põe -se a esta empreitada e chega ao fim, dá um exemplo para qualquer coisa?
RS: Sim, naturalmente que sim. Acho que é um exemplo para qualquer cidadão ou cidadã, onde muitas vezes na nossa vida nos queixamos tanto disto ou daquilo, coisas tão simples e tão vagas, e olhando para estes exemplos vemos que realmente somos uns sortudos tantas vezes. Vendo o exemplo deles não há dúvida nenhuma que acaba por ser um recado para toda a sociedade em geral.
MP: Para todos aqueles que estão à espera e contam os dias da sua vida, qual é a sua palavra?
RS: Que olhem para estes dois exemplos e a forma como se agarraram à vida, a força deles, e que vejam neles a possibilidade de ultrapassar os problemas, porque eles estão aqui, estão bem felizmente, e no fundo este evento vai marcar de forma histórica e vincar totalmente que é possível quando nós acreditamos.
O ciclismo “é mágico” mas precisa de um refresh
MP: A margem disto vamos agora mergulhar um bocadinho no ciclismo. Estamos numa cidade onde a volta a Portugal já passou durante a Feira de Setembro, durante muito tempo. Estamos próximos de Torres Vedras, terra de Joaquim Agostinho, onde ainda hoje vão passar…
Aqui ao lado, já noutro Concelho, ontem foi anunciado uma grande prova de ciclismo para setembro, na Benedita.
MP: Como é que está o ciclismo em Portugal? Como é que andam estas novas lides?
RS: Bem, o ciclismo em Portugal é uma realidade que nestes últimos anos têm atravessado um período um bocadinho complexo. Eu vivi e continuo a viver no ciclismo, porque eu acabei a minha carreira desportiva no ano profissional em 2017, mas estou muito dentro em todas as Voltas a Portugal, em outras funções que tenho dentro da Volta. E no fundo, o ciclismo para mim, é a modalidade do coração e é aquela que eu, todos os dias, defendo de pedra e cal.
Mas o ciclismo acaba por ser a modalidade de trazer -nos atletas à porta de casa, acaba por ter todo o colorido da Volta a Portugal… acho que é mágico.
Eu terminei algumas etapas da Volta a Portugal aqui em Rio Maior, quer em Torres Vedras, por isso acabam por ser locais históricos ligados à modalidade e também para mim.
Mas acho que o ciclismo tem de fazer um certo refresh, digamos assim, profundo, naturalmente que a conjuntura também não ajuda e quando o ciclismo vive de patrocinadores e os tempos não estão fáceis, torna-se mais complicado.
Acho que as pessoas que estão à frente das Equipas têm feito essa luta, uma luta que não é fácil, num país onde o futebol se evidencia de uma forma bastante sublinhada e nós vemos aquilo que é a nossa parte governativa: vão aos eventos futebol e as outras modalidades são totalmente esquecidas.
Eu vivi isso durante muitos anos, porque comecei a correr aos 12 e acabei aos 41, e fiz 20 anos de carreira profissional e contam-se pelos dedos os momentos em que no fim de uma Volta à Portugal lá esteve alguém do nosso Governo, independentemente de partidarismos. Por isso, acho que acaba por ser marcante também para todos nós, que ali andámos, ou depois de andarmos, ver que a modalidade não é tida nem vista, pela parte governativa, como deveria ser.
Mas é vista pelo povo, e isso é o mais importante porque a Volta à Portugal mete milhares de pessoas, são milhares de pessoas que vêm à rua, é a prova histórica.
Por isso, apesar de estar a viver momentos não tão fortes como há 15 anos atrás, as pessoas que estão nas Equipas continuam a lutar pelo melhor em prol da modalidade e acho que é uma modalidade muito bonita, sendo eu suspeito em falar dela, mas achando que o “brilho do pelotão é único”.
É marcante para qualquer um, mesmo não sendo adepto da modalidade.
O Autarca: autarquias deveriam ter mais autonomia administrativa e financeira
MP: Gerir a posição no pelotão, fazer uma prova de montanha, é mais fácil ou não que atender às solicitações dos “fregueses” [os habitantes da Freguesia]?
RS: Olha… são coisas muito diferentes, mas muito difíceis.
Nós vivemos (e eu estou numa União de Freguesias há 10 anos, em terceiro mandado e em fim de ciclo autárquico)… nós vivemos numa sociedade demasiadamente exigente.
As pessoas devem ser exigentes, mas as pessoas também tem os seus deveres, para além dos direitos.
Hoje em dia vivemos numa sociedade algo difícil, e com aquilo que foi a evolução das sociedades, das redes sociais que são uma marca profunda na sociedade de forma geral, muitas vezes somos criticados de algo que diretamente até nem temos grande culpa.
Nós fazemos e damos o nosso melhor, e o poder local, neste caso as Juntas de Freguesia, são aquele poder mais próximo do povo. Em qualquer local que estou, na minha Freguesia, em casa, tantas vezes me vêm tocar à campainha, encontro pessoas na rua e falo com elas… é o poder mais próximo.
O que acontece é que muitas vezes não conseguimos solucionar ou resolver porque temos uma limitação humana e financeira.
Deveria haver uma restruturação, que é fundamental, para dar às Juntas de Freguesia muito mais autonomia. Também a nível financeiro.
Eu sei que é o grande problema, mas as Juntas de Freguesia recebem muito pouco do Estado, da Câmara, para se poder governar de forma sustentável. E nem sequer podemos ir aos fundos comunitários, que é outra coisa que é bastante complexa…!
Naturalmente, depois de exigir, devíamos ter uma equipa técnica para os trabalhos, para podermos ir a mais Candidaturas de Fundos e depois executá-las.
Estas limitações fazem de nós muitas vezes criticáveis, e a Sociedade critica-nos às vezes de forma bastante feroz, e eu acho que não deveria ser tanto desta forma.
Todos devíamos perceber, profundamente, como é que funciona uma Junta de Freguesia…
Ainda na última eleição [2021] eu juntei a minha equipa, os membros que eu convidei para estar na minha lista, e a primeira coisa que eu fiz foi explicar-lhes como é que funciona uma Junta de Freguesia.
A maior parte ficou espantada e perguntaram: “… mas é assim que funciona?!”, “… é assim que vocês recebem do Estado…?!”
“Realmente vocês são os lutadores…!, disseram eles.
Eu a falar nisto sou suspeito, mas esta é a realidade das coisas. Antes de criticar deveríamos primeiro perceber como funciona. Perceber a nossa capacidade e a partir daí podermos falar, então.
E não estou a dizer que fazemos tudo perfeito, tenho a humildade para entender que não faço tudo perfeito e cometo erros. Somos humanos e os humanos também cometem erros. FIM